24 de março de 2014

nivelamentos




eu me pergunto por que carlos alberto nunes e manuel bandeira (e millôr, que em sua adaptação utiliza a tradução de bandeira) terão eliminado o próprio credo satânico das bruxas na cena inicial de macbeth:

c.a. nunes: São iguais o belo e o feio.

m. bandeira: O Bem, o Mal,/ - É tudo igual.

fair is foul, and foul is fair - esta é a inversão da coisa, a profanação satânica, o demoníaco é o bem, o belo etc., e o divino é o mal, o feio etc. - não são iguais; as bruxas estão entoando seu cântico, invertendo (para elas, desinvertendo) as definições correntes, e não igualando os opostos. 


mas tudo é bem mais complicado que isso, claro - adiante, elas vão se referir a si mesmas como the weird sisters (cena 3) e macbeth vai tratá-las como the three weird sisters - em inglês antigo, weird (wyrd) significa "fado", e aí temos as três figuras inicialmente apresentadas como adoradoras de satã como as três moiras gregas ou as três parcas romanas da mitologia clássica, que fiam, tecem e cortam o fio da vida.


até reconheço que o verso da primeira cena, tomado em si e isolado do conjunto, pode sugerir uma indistinção e mesmo uma identidade entre foul e fair, gerando uma ambivalência, que é retomada quando as bruxas forem tratadas como parcas. 


posso ser meio impaciente, mas que essa prenhez semântica e simbólica desapareça em algumas traduções apenas me confirma no tremendo preconceito que tenho contra traduções demasiado presas à rima e à métrica, que quase inevitavelmente acabam mutilando o sentido. 



veja-se também aqui.